Carlos adentrou o consultório e sentou-se à minha frente um tanto cabisbaixo e abatido.
-Tudo acabou, e desta vez não há mais esperança, disse ele.
Sua voz modulada por muita emotividade, deixava transparecer frustração e abatimento.
- Como se sente em relação a tudo isso? Perguntei-lhe.
- Por um lado estou triste, por outro, não! Estou triste por ver
morrer tantos sonhos e planos que juntos construímos e ter que admitir o
fim de mais de treze anos de união. Por outro lado, sinto-me, de certa
forma, aliviado. Agora, talvez, não venhamos causar mais sofrimentos um
ao outro, e possamos encontrar novos caminhos e novos horizontes, não
obstante, nunca fosse esta a minha vontade.
Embora um tanto ferido e golpeado pelo fracasso na vida familiar, o
experiente professor de quase 40 anos ainda exibia no fundo dos olhos
uma inexplicável esperança de reconstruir seu lar. Desde os nossos
primeiros encontros, aprendi a admirar sua prudência, humildade e
sabedoria, porém aquele momento de crise parecia demandar todas as suas
virtudes.
-O que faria se pudesse começar a vida outra vez ao lado de sua
esposa e de seus filhos? Interroguei-lhe novamente. Ele permaneceu por
algum tempo calado e sua resposta veio somente após algum tempo de uma
sensível reflexão. Olhando-me firmemente nos olhos, suas palavras
passaram a revelar profundas verdades de sabedoria, que durante todos
aqueles anos permaneceram escondidas no profundo de seu coração. Se eu
pudesse ter um lar outra vez, disse ele:
1 – EU AMARIA MAIS
Hoje, posso compreender que a principal causa da ruína de muitos
relacionamentos é que as demonstrações de afeto e carinho vão lentamente
se extinguindo, até desaparecerem por completo. Em muitos
relacionamentos não é o amor que se acaba, mas sim, o empenho e a
vontade para expressá-lo. A falta de interesse e espontaneidade em
compartilhar amor é o caminho
mais curto e seguro para apagá-lo. O amor nunca morre de morte natural,
disse Anais Nin, mas quando se deixam de alimentar suas fontes. Se eu
pudesse ter um lar outra vez, aproveitaria mais as oportunidades e
ocasiões para expressar o amor.
A cada dia, me esforçaria por tornar esse amor uma experiência
prática e visível. Deixaria claramente que meus filhos contemplassem
nossos beijos e abraços, e que outras pessoas notassem nosso caminhar de
mãos dadas e nossos afagos, sem me envergonhar disso. Acima de tudo,
traduziria esse amor em palavras e não deixaria que nenhuma outra dádiva
pudesse substituí-las. Só aqueles que declaram seu amor podem edificar
as bases para serem amados, e só os que compartilham o amor, sem
reservas, podem esperar a recompensa de seus esforços.
O egoísta faz de seus sentimentos um círculo para o isolamento, mas
aquele que ama, faz do amor uma ponte para atingir os corações. O
egoísta sempre busca receber mais do que oferece, mas aquele que ama,
procura primeiro ser e proporcionar ao outro, tudo aquilo que ele mesmo
deseja receber. Prescindir de atitudes e palavras de amor em um
relacionamento é fatalmente ir decretando seu fracasso e sua morte. Por
isso, se eu pudesse ter um lar outra vez, eu dedicaria mais amor à minha
esposa e aos meus filhos.
Sobretudo, me empenharia em amar e respeitar a mim mesmo. Creio que
não podemos amar verdadeiramente aos outros, se não aprendemos a amar a
nós mesmos. Uma pessoa que não se valoriza, aos poucos também vai
perdendo o encanto aos olhos do outro. Temos que amar a nós mesmos para
transmitir aos outros a segurança para que também nos ame. Aquele que
não aprendeu a valorizar a si mesmo, tampouco dará valor ao amor do
outro, uma vez que não se sentirá digno desse amor, e por isso tenderá a
rejeitá-lo ou depreciá-lo. Se eu pudesse ter um lar outra vez, eu
procuraria me estimar mais, porque me valorizando eu estaria
valorizando, na verdade, o próprio amor de minha esposa por mim.
Amando-a com ternura e respeito eu estaria amando a mim mesmo e
valorizando o meu próprio potencial. Estaria reconhecendo a importância
do seu amor para minha própria segurança e aceitação. Em verdade, eu me
amaria mais, apenas para dessa forma poder amá-la mais e melhor. Só a
sensação do verdadeiro amor pode dar ao coração a dignidade para
investir em sonhos, e só ele nos confere a segurança para alcançarmos
nossos planos e objetivos.
2 – EU NÃO POUPARIA ELOGIOS
Com freqüência, em nossos lares, somos tão ávidos em apontar defeitos
e a criticar as falhas, mas somos tão resguardados quanto a fazer
elogios e a destacar as virtudes. Muitos relacionamentos seriam
aprimorados se, apenas, houvesse mais empenho em admirar um ao outro,
entretanto contidos por uma timidez defensiva, muitos hesitam em revelar
isso. Pais e filhos poderiam se tornar mais íntimos caso demonstrassem
mais apreciação uns pelos outros, mas se ocultam por detrás de um
orgulho carente, e não expõem seus sentimentos. Se eu pudesse ter um lar
outra vez, não iria poupar esforços em elogiar minha esposa e meus
filhos. Procuraria todos os dias, ocasiões para destacar suas virtudes e
assinalar suas qualidades de maneira honesta e sincera. Estaria mais
atento às vezes em que ela fosse ao cabeleireiro e a perceber os novos
arranjos de seu penteado. Ao me sentar à mesa estaria mais atento a
qualquer novo sabor de sua comida, e quando fôssemos sair, eu ficaria
vigilante para apreciar qualquer belo detalhe em sua roupa. Não deixaria
de incentivar minhas crianças ainda quando elas errassem e de declarar o
quanto me orgulhava de tê-las como filhos.
Eu elogiaria mais, porém faria isso, sobretudo na frente dos outros,
para que os outros conhecessem suas qualidades e o quanto eu mesmo as
apreciava. A arte de fazer elogios é o primeiro passo na arte de amar as
pessoas, afirmou George W. Crane. Eu elogiaria, e assim abriria
caminhos para o amor, derribando as gélidas paredes da mediocridade e da
rejeição. Para cada defeito de meus familiares eu procuraria considerar
as inúmeras qualidades e para cada erro eu consideraria as muitas vezes
em que já acertaram. Elogiar de maneira justa e sincera é investir no
amor. Creio que o elogio franco e leal é um alimento para a alma e
fortalece os relacionamentos. Aqueles que costumam fazer uso dele,
formam terreno para que o amor floresça e perdure.
3 – EU TOMARIA A INICIATIVA DO DIÁLOGO
Em qualquer relacionamento, quando existe qualquer conflito ou
discórdia, é muito comum que uma das partes se feche ou emburre dominado
pela mágoa e pelo ressentimento. O egoísmo e o orgulho ferido podem
tornar a comunicação um processo impraticável e enfraquecer o amor e a
amizade. Porém, se eu pudesse ter um lar outra vez, eu cuidaria para que
o rancor e a mágoa nunca se tornassem obstáculos para o diálogo e o
perdão. Com freqüência, perdemos tanto tempo deixando amadurecer a ira e
preservando o silêncio, que a hostilidade e a antipatia acabam por
sufocar o amor no coração. É justamente quando se vai morrendo o diálogo
que se aviva a ira, abrindo espaços para a agressão física ou verbal.
Há pouco tempo uma esposa amargurada me confessou: – A pior solidão é aquela que se vive a dois, pela total ausência de diálogo.
Creio que o “suave milagre” que abrandaria muitos corações
amargurados e cheios de ira, seria simplesmente a prática do diálogo
aberto e sincero com os familiares. Se eu pudesse reconstruir meu lar
pesaria mais o poder das minhas palavras e as passaria pelo crivo da
verdade, da edificação e da necessidade. Procuraria o diálogo mesmo
quando estivesse coberto de razão, pois a parte que se julga certa e
ferida é geralmente a mais hesitante em perdoar e esquecer. Se
porventura percebesse que estava irritado ou ferido demais para
dialogar, me infligiria à disciplina do silêncio até que tudo se
acalmasse, ou caminharia lentamente pela praça, mas não permaneceria
remoendo vingança, desforra ou retaliação. Existem muitas maneiras de se
transmitir amor, mas são as boas palavras e a comunicação franca e
sincera, a maneira mais rápida e segura de expressar sentimentos e
transformar o coração.
4 – EU PERDOARIA MAIS E PEDIRIA MAIS PERDÃO
Aprender a reconhecer erros, e a pedir e conceder o perdão é um dos
maiores atos de grandeza em um relacionamento. O perdão impede que o
rancor e o ódio se abriguem e contamine a mente e o coração. A
relutância em conceder ou pedir perdão é a ferida que mina a afeição e
acaba destruindo grandes relacionamentos. Há algum tempo, uma senhora
casada me procurou e confessou: – Quando eu era menina e fazia alguma
coisa errada minha mãe passava dias sem conversar comigo como castigo.
Ela nunca me agraciava com o seu perdão. Até hoje carrego, em minha
vida, as conseqüências daqueles anos. Por isso, se eu pudesse ter um lar
outra vez, eu perdoaria mais e me disciplinaria a pedir mais perdão.
Caso pudesse restaurar meu lar outra vez, teria mais coragem para
reconhecer meus erros e mais humildade para corrigi-los. Pediria perdão
pela voz alterada, pela data esquecida, pela acusação sem fatos, pela
paciência não contida. Porém, pediria perdão logo, e não permitiria que a
ira se arrastasse até o dia de amanhã, pois o ódio quando nutrido,
torna mais duro e insensível o coração. De igual maneira, eu escolheria
perdoar mais. Perdoaria mais o atraso dela para algum compromisso, a
palavra que não consegui digerir, a falta de tempo que interpretei como
indiferença, ou o sorriso inadequado que julguei ser deboche. Corrigiria
meus filhos, quando necessário, mas nunca permitiria que a disciplina
se tornasse um obstáculo para a expressão do amor. Dar e pedir perdão
pode parecer frouxidão e fraqueza, mas são atitudes dignas dos fortes,
daqueles que enaltecem o amor e procuram mantê-lo vivo em seus
relacionamentos.
5- EU NÃO PRESCINDIRIA DO TOQUE
Com muita freqüência a indiferença, o afastamento e o prescindir do
toque é um dos sintomas dos relacionamentos que se tornam antigos e
monótonos. Tenho notado que entre aqueles que se afastam, há um processo
lento e contínuo de ausência de afagos, carinhos e beijos. Se eu
pudesse reconstruir o meu lar, colocaria como primazia abraçar e tocar
mais vezes meus familiares. Ao retornar para casa no final de mais um
dia, eu não deixaria de beijá-los. Quando retornasse de alguma viagem
permaneceria um tempo abraçado com ela, antes mesmo de entrar em casa.
Mesmo nas reuniões da igreja, eu não deixaria de abraçá-la ou segurar
suas mãos e permitiria que ela inclinasse sua cabeça sobre meus ombros,
ainda que alguns olhassem em tom de reprovação.
Eu procuraria tocar e abraçar minha esposa, sobretudo nos momentos
considerados neutros, quando ela nem ao menos esperasse. Caminharia mais
vezes, abraçado com ela pelas ruas, a levaria mais vezes comigo em meus
compromissos e iria buscá-la mais vezes na escola, ou no trabalho. Foi o
reverendo Theodore Hesburg que uma vez expressou: a coisa mais
importante que um pai pode fazer por seu filho, é amar a mãe dele e
vice-versa. Os filhos podem aprender a expressar o amor e sentir maior
segurança no mundo se percebem que existe amor e respeito entre seus
pais, escreveu Jonh Drescher. Aqueles que procuram manter sempre vivas
as demonstrações de afagos, carinhos e toques em sua família, abrem um
caminho para que o amor cresça e jamais se apague.
6 – EU TOMARIA MAIS TEMPO PARA SORRIR
Tenho percebido que o mau-humor e as preocupações excessivas são
combinações perniciosas que podem azedar muitos relacionamentos. Em
muitas ocasiões levamos a vida tão a sério, que a angústia e os
aborrecimentos tornam a convivência um fardo insuportável. Muitas vezes,
carregamos para os nossos lares todos os dissabores de cada dia e, nem
sequer, nos olvidamos em deixar transparecer nosso desprazer e
descontentamento. Transferimos nossas zangas para nossos familiares de
modo que todos são afligidos e contaminados. Esquecemos que relaxar,
brincar e sorrir são os bálsamos que podem alegrar e restaurar muitas
casas tristes e silenciosas. Lembro-me do meu caçula quando nos
inocentes anos da infância se atirava em meu colo antes de dormir e me
pedia: – Papai conte-me uma história engraçada para que eu possa rir
quando estiver dormindo.
Se eu pudesse ter um lar outra vez, eu riria mais, pois já descobri
que muitas situações que por vezes nos levam ao nervosismo e ao mau
humor poderiam ser aliviadas, apenas, com uma boa gargalhada. É gostoso
conviver com pessoas alegres e engraçadas, mas é tão difícil conviver
com aquelas que levam tudo tão a sério, que têm a resposta pronta para
tudo, e que sempre se defendem com justificativas e racionalizações. Se
eu pudesse ter um lar novamente, eu pensaria em mais histórias
engraçadas para contar à minha esposa e aos meus filhos, ao invés de só
retalhar falhas ou deveres. Riria do bolo queimado que ficou duro como
uma pedra e do arroz papa que saiu sem um pingo de sal. Riria quando as
crianças se amontoassem em meu colo depois de um dia de trabalho e me
pintassem o rosto com tinta guache. Riria quando ao abrir minha mala no
hotel descobrisse que ela se esqueceu de colocar minhas peças íntimas e,
ao invés disso, as trocou pelas dela. Riria quando tropeçasse e caísse
diante de todas as crianças ainda que doesse um pouco. Eu riria mais, e
assim as coisas se tornariam menos aflitivas e oprimentes e a
convivência passaria a ser mais cheia de alegria e significado.
7 – EU LHES FALARIA MAIS SOBRE DEUS
Em muitas ocasiões, em nossos lares, podemos nos tornar tímidos e
indiferentes no que diz respeito aos assuntos espirituais que
praticamente os extinguimos de nossas relações familiares. Se eu pudesse
ter um lar outra vez faria de Deus um constante aliado na direção de
minha família. No mundo atual criar um filho sem fé e sem religião é
como soltá-lo, sem bússola e sem remo, no oceano da vida. É torná-lo
forte candidato a fracassar no amor e na vida.
Creio que a maior tentação no mundo, hoje, é a de nos tornarmos tão
preocupados e absortos com os assuntos do dia-a-dia e com a busca do
próprio bem-estar, que perdemos o senso da dependência de Deus. Deixamos
de compartilhar momentos de oração
e meditação e nos tornamos tímidos em dedicarmos tempo para orarmos
unidos em família. Se eu, porém, pudesse reconstruir o meu lar, gastaria
mais tempo em comunhão com Deus, ao invés de lutar com as minhas
próprias forças para superar problemas ou prover necessidades.
Convidaria mais vezes minha esposa e meus filhos para que orassem comigo
e, acima de tudo, lhes ensinaria o sobre amor de Deus.
Se deixarmos o coração de nossos filhos vazios de uma fé e de uma
religião, eles poderão preenchê-lo com danosos substitutos, que não
restará mais lugar para Deus. Um dia uma professora fez uma bela
descrição para a sua classe sobre o amor e o caráter de Deus. No final,
um pequeno menino ergueu a mão e disse: – Professora, Deus é igualzinho
ao meu pai. Se eu pudesse ter um lar outra vez era isto o que eu queria
ser.
UM NOVO COMEÇO?
Após me falar todas essas palavras, Carlos abaixou a cabeça e
permaneceu algum tempo calado e reflexivo. Seus olhos foram se fechando e
uma pequena lágrima apareceu. Esperei com paciência e novamente lhe
dirigi a palavra.
- Carlos, por que você não procura outra vez seus familiares e tenta
dar uma nova oportunidade ao amor? Como você mesmo disse, o mais difícil
na reconstrução de um lar assolado é deixar prevalecer o orgulho e o
egoísmo. São essas as mazelas que nos impedem de nos humilharmos e
procurarmos o diálogo e o perdão. Podemos ter todas as soluções em nossa
mente, mas nada mudará se não tomarmos uma atitude e a colocarmos em
ação. Por que não toma essa decisão hoje?
Naquele exato momento, ele se levantou e saiu, desaparecendo no final
do comprido corredor. Fiquei, por alguns instantes, calado e
refletindo. Como um homem que compreendia todas essas verdades poderia
estar vivendo uma situação como essa? Voltei meus pensamentos para Deus.
Talvez seu aparente fracasso familiar tenha sido uma oportunidade para o
aprendizado de grandes verdades e sábias lições para o seu
amadurecimento. Compreendi que o nosso Pai Celestial é sempre o Deus da
segunda chance e que “Suas misericórdias… renovam-se cada manhã.”
Lamentações 3: 22, 23.
fonte: www.esperanca.com.br