quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Lembro como se fosse hoje, filha.

 
Lembro como se fosse hoje, filha. Você nasceu um pouquinho antes do esperado, como um presente inesquecível de dia das mães. Ao chegar de uma série de conferências fui surpreendido pela notícia de que você estava “chegando” no hospital, em outra cidade. Depois de ver-te pela primeira vez, em uma incubadora, com olhos grandes e arregalados (azuis, como os meus!) voltei de carona para casa. Confesso que não dormi naquela noite, mesmo com a música suave da chuva que caía. Eu era pai pela primeira vez. E agora? Como seria tudo?
Permita-me pular alguns anos. Quatro anos atrás.
Lembro como se fosse hoje, filha. Aquela última semana em casa não foi fácil, não é mesmo? Eu sempre discursei que não sofro antes da hora. Procuro viver assim, você sabe. Naquele dia – o último dia – foi dureza. Para todos. Especialmente para você.
Sempre tem um momento que a ficha “cai”.
Lembro como se fosse hoje, filha. Você e suas coisas foram deixadas no quarto, no Unasp. E a hora mais dura sempre está reservada para a despedida. Confesso que foi difícil segurar o choro. Um óculos escuro, estrategicamente guardado no carro, foi o disfarce mais idiota para esconder as lágrimas de um pai que iria experimentar, pela primeira vez, a saudade da primeira joia mais preciosa lá de casa.
Foi doloroso demais, aquele retorno para casa.
Lembro como se fosse hoje, filha. O dia estava findando. O choro represado de todos só foi liberado, poucos metros adiante, quando sua irmãzinha começou a soluçar e, pelo espelho retrovisor, vi seu irmão afagando carinhosamente a cabeça dela. A vida seria diferente lá em casa. E para você, longe, também.
Eu poderia ter mudado toda a história naquele dia.
Lembro como se fosse hoje, filha. Menos de cinco quilômetros depois de sairmos veio uma vontade incontrolável de dar meia-volta, retornar ao colégio, pegar você e suas coisas e voltarmos todos para o nosso cantinho. Até hoje não entendo como não fiz isso!
A distância e a saudade foram desafiadoras. Demais!
Lembro como se fosse hoje, filha. Com uma mistura de orações e lágrimas intercedia todos os dias por você. O choro vinha fácil, tipo amargo-doce. É o custo inexorável do crescimento que a vida cobra da gente. E crescer, você sabe, dói.
 
Quatro anos depois e aqui estou eu, em um quarto do Unasp, escrevendo estas linhas. A chuva cai lá fora, como música suave – como naquela noite em que você nasceu.
É hoje o seu dia. A sua formatura, filha! Não sei o porquê, mas as lágrimas insistem em embaçar os óculos que eu não tinha em 2009. Contudo, são lágrimas de alegria, gratidão. Tipo doce-amargo… Parabéns! Hoje, você alcança um degrau importante e imprescindível em sua carreira. Virão outros. E mais outros! Cada vez mais importantes e desafiadores.
Ah, sei que você quer casar em três anos. Por alguma razão, eu entendi seis. Mas não vou sofrer antes da hora. Prometo.
Que o Pai do Céu continue sendo o primeiro em sua vida.